segunda-feira, 5 de julho de 2021
Esse é meu primeiro sapato....penso que devo guardar.Tem dia que eu penso na minha vida com todos porquês juntos, separados, com acento, sem acento.Olho para os objetos, abro as gavetas, escuto um riso de nervoso e satisfação.Tem a coleção de selos.Eu colecionava selos, tenho um monte.Tenho a unha do meu gato guardada na carteira.Guardo retalhos da camisa do meu pai e a manga do vestido da minha mãe. Tenho na parede uma forma enferrujada em formato de coração que era da minha avó Inês. No banheiro um vidrinho do remédio Sinemet que era do meu avô Cirso.Coisas...que só importam pelas memórias. Nada tem valor comercial.Não sou mais a mesma...Ou sou esse relicário afetivo que guardo?Tem tanta coisa que eu poderia passar a tarde aqui imersa em lembranças. Um prato cheio para um psicanalista. Dificuldade de abrir espaço para o novo?Ou quem sabe um espetáculo para quem curte assistir constelação familiar?Eu daria um show, cobraria ingresso.Para os budistas, honrando os antepassados?Para a turma que bate tambor, joga no rio ou queima e joga sal grosso?Penso, até sonho com a carretilha velha que minha avó usava para fazer pastel.Da vida, do passado, dos parentes, sobrou isso.Fragmentos desconectados onde nada combina com nada.Um passado que nunca é lembrado numa mesa de jantar.Não por falta de mesa....é por falta de conjugação verbal.E excesso de superlativos.Todos sepultados...num túmulo, dois.Noutro túmulo três. A mãe tá num túmulo, só ela....nem sei se tem vaga. A herança ainda questionável numas pendências ...Não, não me refiro aos imóveis. Falo do torrador de café. Preto de tanta fuligem!...do tacho de cobre onde se apurava o doce de leite.E da carretilha dourada de cortar pastel.Dos dois lados da família, existem rugas, tecido amassado e papel rasgado em verdades inconvenientes. Até alguns vivos, enterrei.Sou a mais interesseira de todas as netas.O que eu quero são as lentes de aumento para o afeto.Sempre tive olhos para o que ninguém tinha olhar.Objetos que me carregam no colo, como esse par de sapatos.Ou a coleção de selos, que fazia eu sentir alguma importância enquanto eu era criança. Eu tinha selo de Budapeste. As crianças do bairro nem sabia que existia outros lugares, outras culturas.Eu sempre soube o valor das coisas que tem preço. Ninguém sabia que o dinheiro, a gente ganhava e perdia.Além do espólio frio da vida, eu tinha selo de Budapeste. Acho chic....até hoje.E lavei o sapatinho.Vivi Ame...Viviane Mendes
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