quarta-feira, 30 de março de 2022

Acordei de ovo virado.
Meio triste, meio lúcida.

Saudade de ouvir o telefone tocar e ouvir uma voz que tinha algo a dizer.
Agora o celular fica no silencioso porque se tocar é alguém querendo vender algo que a gente não quer comprar.

Que ponto chegamos!

Queremos aparecer para que não nos esqueçam. 
Não atraímos simpatia expondo nossos fracassos normais.
...era normal acordar de ovo virado.
Agora somos desafiados a seguir um padrão de mercado.
O padrão fotoshopado se transforma em realidade na moda e nos padrões estéticos.
...a gente influencia e é influenciado o tempo todo.
Precisamos nos manter antenados nos meios de comunicação. 
Eles mudam numa velocidade que se a gente não acompanha, a gente perde a voz.
Estamos nos transformando nos robôs que a gente ouvia falar quando era criança. 

Nosso comportamento é cada vez mais viciado.

Basta um acontecimento e lá vamos todos nós dar opinião e garrar ranço por quem pensa diferente.
Não percebemos a rede de pesca camuflada na água. 
Sucesso e felicidade é um padrão tóxico exposto diariamente para tornar nosso caminho um pouco mais árduo. 
Algo nos impulsiona a voltar, a plantar abóboras e viver seguindo o ritmo do homem simples, comum e que não é tendência de mercado.

Mas a força da enxurrada no impulsiona ou para a areia, ou para alto mar e exige habilidade para nadar em podcast, youtubers, impulsionando o número de alcance, patrocinando algum conteúdo que tenha interesse para alguém mastigar enquanto tem algum sabor e depois cuspir no lixo.
...até que apareça algo mais atraente.

Acho que não estou nem lá e nem cá. 

Do passado me despeço e vou.
E o futuro não sei onde encontro.
E nem se me encontro.

Enquanto isso, sigo juntando as cores, os pedacinhos de bijuteria quebrado que um dia foi o colar de alguém,  misturo com rendas do que era um vestido antigo, e crio um universo para me resgatar do que a gente chama de mundo.
Sou minha tábua de salvação.

A arte permite esse mergulho.
Eu sei da rede.
Mas faço de conta que não sei.

Escrever ou pintar é oferecer uma fatia de bolo para a visita.
Para mim, vocês são visitas.
Sejam bem vindos ao meu mundo real.

Vivi Ame...Viviane Mendes

sexta-feira, 11 de março de 2022

Eu sou esse homem carregando esse cachorro.
.
.
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Para mim a Ucrânia é o quarteirão do lado da minha casa.
Não sou patriota.
A terra tem fronteiras criadas pelo homem.
Meu partido é a humanidade.
Não tem como passar pano para o Putin.
Suas razões não tem legitimidade moral, nem ética. 
Minimizam a guerra, argumentando pelo número de mortos, pela mídia apelativa, pela resistência suicida da Ucrânia. 
Não existe respeito diante de uma cena dessas.
Dizem que era melhor a Ucrânia se entregar.
Evitaria um derramamento maior de sangue, evitaria ameaças nucleares.
Como pode alguém escolher como o outro deve morrer?

Há os que preferem morrer se defendendo.

Há os que são julgados como manipuláveis, influenciados pela mídia,  "aceitacionistas", eis a categoria que eu me enquadro.

Entretanto, não faço parte do fio de arame farpado da loucura apaixonada que une num abraço a extrema direita e a extrema esquerda que ideologicamente utilizam palavras ao invés de sentimentos.

Os extremos se alinharam.

São um só. 
Doa a quem doer.
Eles tem um vocabulário impecável, uma escrita gramatical invejável para olhar uma cena dessas e dizer:
Mas....
Porém...
Entretanto...
Todavia...

Eu sou esse homem carregando esse cachorro.

Eu sou a velha com 9 gatos que escolheu ficar e morrer para não abandonar.

Eu sou a mulher que está aprendendo a fazer o coquetel Molotov. 

Eu sou.
Vivi Ame...Viviane Mendes

terça-feira, 8 de março de 2022

Gritavam:
- Gostosa!
- Quero te comer!!!
A menina seguia pela calçada na rua de paralelepípedo, intrigada.

Não entendia nada.
...me comer?
Como?
Não sou comida.

Com as pernas grossas, recebia olhares masculinos dentro de casa.

Na escola, tinha vergonha do corpo sinuosos.
Um corpo convexo e côncavo. 
Destoava das magrelinhas de perna tipo " armação de marmita"

Eu era a comida.
E comida farta, quente, recém preparada.
Passei pelo desejo masculino e pela inveja feminina. 

Biscate, diziam.

Nada tinha feito.
Que inferno.
Que peso ser mulher gostosa!
Virgem.

Recebia correio elegante com a frase:
" ...sua b* deve ser uma floresta."

Foi exaustivo.
A virgindade para mim, foi um peso.

No mundo masculino que eu vivia, ser mulher gostosa aos 13 anos, foi um fardo que eu precisava me livrar.
Queria entender aqueles olhares, piadinhas, insinuações. 
Ou pelo menos merecer o título de biscate.

E, julgar se ser biscate era bom.
Nem isso eu sabia.
Elogio ou ofensa?

Eu, menina, era mulher.
 A mulher em mim, acolhe a menina.
A mulher que serei, velha senhora, acolhe todas as minhas escolhas.

Não conheci os homens.
Conheci o pensamento masculino.

 Eu mudei, de menina, adolescente, mulher...sou quase uma senhora distinta!

O pensamento masculino, não mudou.
Tá lá,  naquela rua de paralelepípedo.
E olha que até a rua evoluiu para asfalto.

Vivi Ame...Viviane Mendes