Eu sou rodeada por restaurantes.
Num tem casa aqui perto.
Lado esquerdo, lado direito, na esquina...
Bons restaurantes.
Afamados, diria minha avó.
E eu, de pé cascando alho.
Eu sei que é descascando, mas gosto de falar cascando.
Na panela, uma cebola roxa que eu cortei em rodelas finas, dourando no azeite extra virgem.
Lua cheia no céu.
No fogão, o tomate que foi bem apurado no fogo lento para virar molho.
Eu, de pijama, me lembrando do molho ao sugo da minha avó.
Ela guardava num vidro na geladeira.
Eu amava comer pão com molho.
Era divino.
Eis que o marido se aproxima, e sussurrando no meu ouvido diz:
... sua panela tem o melhor cheiro do quarteirão!
Senti que cheguei perto do tempero da minha avó.
Ela dizia:
-Vivi, depois de comer, joga azeite por cima, assim ele dura mais tempo.
Eu, esganada, queria devorar tudo.
Era um pecado aquele molho acabar.
Comia como se fosse ouro.
...e era.
Um tesouro que descubro que tenho guardado na memória.
A herança mais rica foi nossa convivência sem testemunhas.
Eu e minha vó.
...o resto, era o resto de comida que sobrava no prato.
Eu e ela eramos o prato principal, sempre.
Na minha panela, a simplicidade das mãos da minha avó e a petulância de ser o melhor cheiro do quarteirão.
São momentos assim, que eu sinto felicidade.
Opção para comer, eu tenho.
Mas meu paladar tem o requinte da saudade.
Vivi Ame...Viviane Mendes