sábado, 16 de abril de 2022

Eu sou rodeada por restaurantes. 
Num tem casa aqui perto.
Lado esquerdo, lado direito, na esquina...
Bons restaurantes. 

Afamados, diria minha avó. 

E eu, de pé cascando alho.
Eu sei que é descascando, mas gosto de falar cascando.
Na panela, uma cebola roxa que eu cortei em rodelas finas, dourando no azeite extra virgem.

Lua cheia no céu. 

No fogão,  o tomate que foi bem apurado no fogo lento para virar molho.
Eu, de pijama, me lembrando do molho ao sugo da minha avó. 
Ela guardava num vidro na geladeira.
Eu amava comer pão com molho.
Era divino.

Eis que o marido se aproxima, e sussurrando no meu ouvido diz:
... sua panela tem o melhor cheiro do quarteirão!

Senti que cheguei perto do tempero da minha avó. 
Ela dizia:
-Vivi, depois de comer, joga azeite por cima, assim ele dura mais tempo.
Eu, esganada, queria devorar tudo.
Era um pecado aquele molho acabar.
Comia como se fosse ouro.
...e era.
Um tesouro que descubro que tenho guardado na memória. 
A herança mais rica foi nossa convivência sem testemunhas.
Eu e minha vó. 
...o resto, era o resto de comida que sobrava no prato.
Eu e ela eramos o prato principal, sempre.

Na minha panela, a simplicidade das mãos da minha avó e a petulância de ser o melhor cheiro do quarteirão. 

São momentos assim,  que eu sinto felicidade.

Opção para comer, eu tenho.
Mas meu paladar tem o requinte da saudade.

Vivi Ame...Viviane Mendes

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Toda vez que eu vou fazer arroz eu lembro do meu avô sentado escolhendo arroz para minha vó. 

...o  jornal do lado, o véio com óculos, catando os grãos que não estavam no padrão  branco, hetero e cristão. 

Toda vez que eu vou picar cebola eu lembro da minha mãe dizendo:
-Beeeeeemm picadinho!
Eu não escolho arroz e nem pico cebola beeeem picadinho.
Minha avó fritava o arroz junto com a cebola e um dente de alho esmagado com a faca.
Eu meto a louca, faço do jeito que dá. 
...e gosto do meu arroz.

Estou falando de arroz e suas memórias. 
Eu acho que junto com um simples arroz, vem todos os antepassados e seus costumes.
Cabe a nós, todo santo dia decidir o que fazer com o arroz nosso que estais no céu. 

Me lembro do bolinho de arroz da Isabel faxineira que ia de quarta feira na casa da minha avó. 
Amava.

... dos primo que matava uma galinha para misturar com arroz e fazer galinhada.
Detestava.

...do arroz verde da minha mãe, que aproveitava o arroz que tinha sobrado da marmita, batia um ovo com cheiro verde, misturava e metia no forno com um pouco de parmesão por cima.

...tem semana que num boto um grão de arroz na boca.
Justo o arroz, que nos fez acreditar ser obrigatório na mesa.

A vida, sem receita, sem hábitos,  é uma demência a menos pra curar.

Vivi Ame...Viviane Mendes